domingo, 9 de novembro de 2008

Sala de Espera

Em meio a todo pensamento, imersa, enredada, ela o viu entrar. Coisa ridícula essa de amor à primeira vista.
Pensamentos torpes aqueles, anti-pensamentos, quase obsessões, todos cheios de medo e incompletude. Quase que não a deixam vê-lo, quase que lhe convencem, em culpas e medos, de que ele não era para ela.
Um respiro, uma brecha, um vão no vento faz-lo inundá-la com olhar de beleza.
E estamos num consultório médico. O lugar mais safo do mundo para quem tem plano de saúde. Ele entra, camiseta simples, verde, calça, marrom, mochila com cara de nova e de uma alça só, transpassada pelo tórax enxuto. De um moreno claro, os olhos escuros, as sobrancelhas grossas, o olhar de quem reflete, mas nem tanto, de quem leva a vida meio a sério, meio na graça, de quem tem dois irmãos, de quem não tem muitos preconceitos e é muito educado. Poderia passar todo o tempo diante do charme daquele homem de 35 anos, talvez. Gostava de brincar de desvelar pessoas pela impressão do olhar. Poderia descobrir-lhe quase a vida inteira. E embora não visse muita lógica nisso, confiava insanamente nesse dom.
Estamos ainda no espaço de tempo em que ele abre a porta de vidro e se dirige à recepcionista. Mas isto não será muito longo, prometo. Ele caminha e caminha lento, belo, definidamente. Gentilezas, mesuras, informa-se sobre a consulta. Era uma consulta de revisão. Pega o documento e pergunta sorrindo, baixo, envergonhado se o doutor lhe pode dar um atestado.
A atendente sorri, simpática e maternal – o mundo deveria ser como os consultórios médicos, os conveniados a planos de saúde.
Ele olhou-a! Olhou-a! Que coisa fervilhante, coração que bate como se antes estivesse morto! Os dedos escorregam tanto, tanto que quase não conseguem cerrarem-se sobre a palma da mão, para que ela esconda as unhas malfeitas. Por que, meu Deus, eu nunca consigo deixar as unhas bonitas!Que incapacidade primária! Traço de falta vocacional para o ser mulher...

Ele - Você também vai para ele- pergunta- E fala o nome do médico.

Linda boca, deliciosos lábios, nem finos nem grossos. Com tanta simetria, haverá de ser libriano.

Ela - É porque estou aqui esperando outro médico. - Resposta de louca, parva, para não dizer ignorante. Ele olha para as mãos dela, ela encolhe dedos ainda mais, olha para o lado, amarra as pernas nos pés da cadeira, respira fundo para diminuir os tremores internos. Derruba cinco coisas ao mesmo tempo. Ele se aproxima para pegar , comovido.

Ela, que lê olhares, sente-se muito mal com o deboche bem intencionado da expressão dele.

Descargas elétricas sobre todos os nervos dela.

Ele - Você gosta de esperar por médicos
Ela - Não é por médicos.

Ele faz uma cara de interrogação, como quem adivinha, mas não confia em si próprio.

Ele – Semana passada te vi aqui mesmo. Que coincidência.
Ela – Eu sei. Foi sua primeira consulta com ele.

Ele – Você sempre ouve a conversa com a recepcionista_

Ela – Inevitável, neste silencio elegante. Gosto de consultórios médicos.. O trabalho, os amigos, a família. Todo mundo entende se você passa a manhã em um consultório. Venho todos os dias.

Ele – Todos os dias _

Ela – Todos os dias, desde a semana passada.

Ele_ E por que_

Ela - Queria te ver de novo.

Um comentário:

MARCELA disse...

essa hora...com sono e um semblante carregado pelas várias "vírgulas" do meu dia - em especial a grande confusão q fiz para entender, no site, os trajetos do metro de SP - e surge uma curiosidade: será q ela postou mais um?! ... ahhh!! postou...vou ler

...(lendo)

amável, encantador, digno da minha admiração e inveja... e eu q sou uma daquelas "bruta-flor"/"épica-lírica" senti estampado na face um sorriso carregado de pieguice... senti retornar aqueles tempos em que deitava na cama da minha mãe e "sonhava acordada" ...(suspiros)